23 julho 2008

nem vem que não tem

Gostava de dizer que não sou necessariamente contra um Acordo Ortográfico, mas explicitamente contra este. Aliás, alguns dos objectivos inerentes a uma reforma deste género podem, de facto, ser muito vantajosos não só para a promoção da língua portuguesa no mundo como, de arrasto, para toda a cultura e economia associada aos países onde se pratica esta língua. O que me deixa de pé atrás é o critério escolhido.

Como se sabe, este Acordo parte de um critério fonético, e não etimológico. Sucintamente, se até agora o principal elemento estruturador da escrita eram as raízes etimológicas, com a entrada em vigor deste Acordo passa-se, grosso modo, a 'escrever como se fala'. Digo, grosso modo, porque de facto o critério não é transversal a toda a escrita, permite duplas ortografias em vários casos, e até se contradiz em algumas das regras que impõem. Parece-me, este, um princípio bastante duvidoso, não só do ponto de vista da necessária coerência e unidade da língua, assim como na sua aplicação prática. Como poderão escolher, então, os organismo oficiais, a melhor forma de redigir os seus documentos? É simplesmente indiferente?

Entre um critério unificador duvidoso, ou a existência de duas grafias claramente definidas, a segunda hipótese parece-me claramente mais interessante. Até porque, com a mesma grafia, ou não, existirão sempre expressões próprias da cultura de cada país ou região; e essas, sim, podem ser um obstáculo à compreensão daquilo que se pretende transmitir, mas constituem simultaneamente uma riqueza felizmente inevitável.

Não me preocupa a mudança de hábitos ou paradigmas, mas sem dúvida que exijo critérios muito bem justificados na sua aplicação. Perante as regras questionáveis deste Acordo, a sensação que me abala é a de uma oportunidade perdida, ao bom modo português. Temos uma língua imensa e fantástica, não nos podemos dar ao luxo de a reformar com tantas incertezas. Tenho a sensação de que esta será uma daquelas reformas de que nos viremos a arrepender daqui a uns anos, por certo tarde de mais.

E acima de tudo, o que está em causa não é um português de Portugal, do Brasil, ou de qualquer outro PALOP. O que está em causa é o melhor português possível. E em prova da minha boa vontade, aqui fica um exemplo de bom uso da língua portuguesa, sugestão do Câmara Clara.

Wilson Simonal - Nem vem que não tem

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